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The world's little window to myself

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Local: São Paulo, Brazil

quarta-feira, agosto 06, 2003

Prefácio


Era mais uma manhã fria na cidade de Londres. A cidade lentamente despertava ao som de cascos de cavalo batendo ao longe contra as pedras do calçamento, seguido do ranger de pesadas rodas de carruagem. A iluminação das ruas era insuficiente para vencer o denso nevoeiro, de modo que se formavam pequenas ilhas de luz tênue ao redor de cada poste, o que fazia de uma simples caminhada um longo mergulho na penumbra, intercalado por breves momentos em que se podia enxergar os próprios pés, de uma ilha a outra.

Aos poucos emerge das ruas o som dos primeiros passos apressados daqueles que não mais puderam esperar confortavelmente em suas casas por um gesto gentil da aurora, ou aqueles que simplesmente não se importavam com o frio ou o nevoeiro. Enquanto se encaminhava a seu escritório, Herbert Skinner imaginou se seria possível fazer seu trajeto diário de olhos fechados, e após alguns minutos ouvindo o som ritmado de seus passos, numa espécie de transe que o conduzia todas as manhãs, chegou à conclusão de que não haveria diferença, dadas as condições de visibilidade àquela hora. O vento frio que batia em seu rosto incomodava, e o obrigava a baixar a cabeça, usando seu chapéu como proteção, ao mesmo tempo em que se encolhia dentro do pesado casaco que se estendia até seus pés. Contudo, Skinner se confortava ao pensar que em poucos minutos estaria tomando uma caneca de café quente, sentado confortavelmente em sua cadeira.

As primeiras vozes ecoam indistintas, em sua maioria cumprimentos e saudações de pessoas que se encontram todos os dias a caminho de seu serviço, e assim fez Skinner ao virar numa esquina e saudar o policial que andava na mesma calçada. Todas as manhãs se encontravam na mesma rua, como se um fosse a medida da pontualidade do outro. E mais uma vez, como toda manhã, Skinner olhou para aquele uniforme e se indagou se fizera a escolha correta. Mas era tarde demais para auto-questionamento. Em poucos instantes, ele chegaria a seu escritório, onde leria a placa sobre a entrada: Herbert Skinner – Investigador Particular. Essa era sua vida agora, e ele sabia que assim estava mais feliz.

Ao se aproximar da entrada, Skinner volta a ouvir os sons da cidade e a se incomodar com o vento, novamente despertando do transe matinal que o levava todas as manhãs. Nesse momento, ao olhar adiante, nota uma forma indistinta em meio ao nevoeiro, parada logo abaixo do letreiro que levava seu nome. Mais alguns passos e é possível definir os contornos de uma mulher. Skinner se aproxima até encontra-la junto à porta... ela é jovem, vinte e poucos anos, cabelos negros e frágeis jogados sobre um rosto indecifrável.

“Bom dia senhorita, posso ajuda-la?” - perguntou Skinner abrindo a porta num demorado gesto, que permitiu que ele a estudasse. Nesse momento seu olhar encontrou o dela e por um instante o detetive sentiu como se estivesse caindo, tão intensa era a forma como ela o fitava.

“Senhor Herbert Skinner?” – Sua voz era fraca, débil, mas ao mesmo tempo decidida, sem medo. Ele acenou com a cabeça e a convidou para entrar. Ela o fez silenciosamente. Havia algo estranho no olhar da garota, algo que o fazia sentir-se desamparado. Skinner normalmente conseguia deduzir que tipo de pessoa eram seu clientes em segundos, e o que queriam em pouco mais. Mas essa garota... Skinner a olhava e não chegava a conclusão alguma. Enquanto isso, fechava a pesada porta atrás de si e começava a subir as escadas.


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